9 de outubro de 2018
Ganhos da inteligência artificial para pessoas com deficiência e importância dos metadados na era do machine learning também foram discutidos por especialistas
Principal espaço brasileiro de discussão sobre as tendências e boas práticas de desenvolvimento Web, a Conferência Web.br promoveu na sexta-feira (5/10) a reflexão sobre os impactos éticos e sociais da inteligência artificial a partir das apresentações de renomados especialistas nacionais e internacionais. O evento, que é realizado pelo Centro de Estudos sobre Tecnologias Web (Ceweb.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), com apoio do Escritório Brasileiro do World Wide Web Consortium (W3C Brasil), teve início na quinta-feira (4/10) com workshops sobre tecnologias Web inovadoras. Além de acompanhar as oficinas e debates, mais de 320 participantes tiveram a oportunidade de conhecer a Inteligência Artificial Democrática e montar kits de artificial intelligence by yourself em conjunto com Peter Nordström, engenheiro de software do Google e um dos destaques do evento.
Em retrospecto sobre os 10 anos da Conferência Web.br, Vagner Diniz (gerente do Ceweb.br) destacou que o evento discute tendências que se consolidam no mercado. Diniz listou temas que a Web.br debateu em edições anteriores que ganharam força com o passar dos anos, entre eles, a discussão sobre dados abertos, sobre HTML 5, da relevância da acessibilidade em dispositivos móveis e também da descentralização da Web.
“Não é à toa que este ano trouxemos o debate da Web na era da computação cognitiva. Como repositório de dados, a Web é uma fonte importantíssima para alimentação do machine learning (aprendizado de máquina). Como ela pode ser uma fonte confiável e segura para aplicações de inteligência artificial e serviços que sejam de valor para os usuários? Temos hoje a oportunidade de compartilhar as experiências e tendências com os participantes da Conferência”, enfatizou Diniz.
Também durante a abertura da 10ª edição do evento, Hartmut Glaser, secretário executivo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), enfatizou a seriedade e importância das discussões realizadas na Web.br. “É um trabalho que resulta em um impacto enorme, seja com a conscientização da comunidade para a importância de uma Web acessível a todos, como também da adoção de padrões abertos, entre diversos outros temas. Apoiamos vigorosamente a realização da atividade e envolvimento da comunidade Web”, salientou. “A Web.br é uma das diversas atividades possíveis graças aos recursos arrecadados com o registro de domínios .br, que na chegada da primavera deste ano atingiu a marca de 4 milhões de nomes registrados”, pontuou Demi Getschko, diretor presidente do NIC.br.
Ética e inteligência artificial
Nós já estamos vivendo o futuro digital. Na apresentação “Impactos éticos e sociais da computação cognitiva”, Virgílio Almeida (professor titular no Departamento de Ciência da Computação da UFMG) lembrou que aplicações usadas no cotidiano – mecanismos de busca, redes sociais e aplicativo de mensagens instantâneas – são dirigidas por algoritmos cuja intervenção humana é restrita. “Os algoritmos tomam decisões por nós. Eles são capazes de direcionar os usuários, seja no espectro político, de entretenimento, entre tantos outros. É parte do nosso dia a dia”, alertou.
Virgílio reforça que o projeto e implantação dessas plataformas possuem interesses comerciais e os algoritmos trabalham dentro desses interesses. “Isso provoca mudanças, não apenas nos indivíduos, mas na sociedade. São essas mudanças que queremos? Existem consequências não intencionais? O ambiente digital é construído dentro de princípios éticos?”, questionou.
As promessas e oportunidades das aplicações de inteligência artificial para áreas de saúde, ciências, educação, entre outras, foram listadas por Virgílio, que também detalhou casos envolvendo softwares, mecanismos de busca, aplicações de reconhecimento facial que promovem a discriminação, de forma não intencional, e reforçam estereótipos. Qual é o papel dos desenvolvedores e engenheiros nesse novo mundo? Como incluir um futuro digital mais justo e inclusivo? Virgílio propôs a “ética by design” com medidas concretas como introduzir a ética na formação, capacitação e treinamento de profissionais, ensinar e projetar com responsabilidade social e criar comitês multissetoriais nas empresas de tecnologia.
“Existem muitas metodologias, ferramentas open source e técnicas novas para construir soluções éticas e responsáveis. É importante ter isso em mente e também que as pessoas que estão conduzindo esta revolução sejam sensíveis aos desafios”, complementou Thiago Cardoso (Diretor de Tecnologia da Hekima) na apresentação “Ética e Responsabilidade em Inteligência Artificial”. Para Cardoso, a inteligência artificial tem potencial para ser a 4ª revolução industrial, porém as soluções devem ser desenvolvidas de forma cautelosa.
O especialista trouxe técnicas que podem ser adotadas, por exemplo, para proteger a privacidade dos usuários como o aprendizado federado (em que o algoritmo aprende localmente, sem que os dados saiam do dispositivo), criptografia homomórfica (treinamento de modelos em cima de dados cifrados) e ainda a privacidade diferencial (técnica em que mesmo quando os dados são alterados é possível calcular o erro e chegar ao mesmo resultado).
Para enriquecer o debate, Lucia Santaella (Coordenadora pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital na PUCSP) reforçou que as tecnologias são inerentes aos seres humanos e hoje crescem para fora do corpo orgânico. Durante a apresentação “O crescimento exossomático da inteligência humana”, Santaella resgatou o histórico das relações entre seres humanos e tecnologia, pontuando que esse relacionamento é natural. A especialista lembrou que a inteligência artificial ajuda em uma multiplicidade de tarefas a veio para ficar, crescer e se multiplicar. “É uma continuidade da inteligência humana e da cognição.”
Acessibilidade e machine learning
Outro destaque do evento, Léonie Watson (Diretora de Comunicação com Desenvolvedores do The Paciello Group) demonstrou, a partir das três leis da robótica de Asimov, os ganhos da inteligência artificial para as pessoas com deficiência. Recursos de descrição de imagens, reconhecimento de voz, tradução de idiomas em tempo real e assistentes pessoais transformaram a vida das pessoas com qualquer tipo de dificuldade para enxergar, falar, ouvir e pensar, permitindo especialmente mais independência para a realização das tarefas cotidianas.
“Se não tivermos cuidado, vamos achar que as tecnologias responderão todos os nossos problemas e questões. É fundamental lembrar que os seres humanos são uma parte vital da inteligência artificial”, afirmou, pontuando ainda que “a inteligência artificial amplia a ingenuidade humana”.
“Além da ingenuidade, a inteligência artificial também amplia a idiotice, burrice e tudo o mais que a máquina aprendeu”, continuou Chaals Nevile (Diretor de Programa Técnico da Enterprise Ethereum Alliance) durante a apresentação “Alimentando a fera – qual a importância dos metadados na era do machine learning?”. Nevile destacou a quantidade gigantesca de dados disponíveis on-line e questionou a qualidade dessas informações. “A Web está repleta de metadados envolvendo spam, descrições desatualizadas e informações genéricas repetidas. Precisamos resgatar os metadados e torná-los úteis e confiáveis para o aprendizado de máquina”, defendeu.
A 10ª edição da Web.br também foi o momento para reforçar a importância do movimento Web para Todos, realizado em parceria com o Ceweb.br e W3C Brasil, com o objetivo de promover a cultura da acessibilidade digital. A iniciativa foi apresentada por Simone Freire idealizadora do Web para Todos e fundadora da Espiral Interativa. Ainda durante a Conferência, Antonio M. Moreiras (Gerente de projetos e desenvolvimento do NIC.br) chamou atenção para a necessidade da adoção do IPv6, lembrando que 30% dos usuários de Internet no Brasil já utilizam o protocolo.
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